sexta-feira, 22 de junho de 2007

Leiam este artigo do MICAU. Por uma Praia melhor para todos.


Poluição nas praias da capital, afinal nem é necessário esperar pela ampliação do porto da Praia

20-06-07

Através de um comunicado feito a 31 de Maio pela Delegacia de Saúde os cidadãos da capital viram-se, no início de mais um verão, impedidos de usufruir das praias mais próximas da sua residência. Praticamente toda a orla marítima foi contaminada pela poluição causada, “não só pelo vazamento de esgotos, como por descargas sistemáticas de águas negras na Praia Negra e pontualmente da ETAR”. Até mesmo um gato morto chegou a ser visto nas águas da Prainha.




Em Agosto de 2005 foi publicado um artigo meu no Jornal “A Semana”, mais tarde divulgados nos sites, www.sportkriolu.com e www.skibosurf.com, sobre o qual, apesar de ouvir alguns comentários de total concordância por parte da população, as autoridades nem sequer se manifestaram sobre o mesmo. O artigo dizia o seguinte:

“ Durante muito tempo reflecti sobre a Ampliação do Porto da Praia. Preocupa-me sob três pontos de vista:

Em primeiro lugar, como arquitecto, preocupa-me o desenvolvimento que a cidade da Praia tem tido ultimamente. Têm sido realizadas muitas Obras que, de facto, dignificaram a imagem da nossa Cidade e existem projectos interessantes para a melhoria da Ilha. No entanto, torna-se necessário regrar este crescimento. É preciso controlar o Ordenamento do Território. O asfaltamento das estradas existentes, a marginal, o calcetamento e restauro do Plateau, a Circular da Praia, uma via rápida pelo litoral Praia - Tarrafal, etc. ..., de facto são obras importantes para a melhoria da nossa cidade e da Ilha de Santiago. Todavia vejo que o modo de vida dos citadinos tem mudado muito ultimamente. As pessoas já não utilizam os espaços públicos porque têm algo mais interessante em casa, vários canais de televisão e também a Internet.

Diz-se que a cidade está perigosa e por isso as pessoas não saem de casa, mas, na verdade, o abandono das ruas é que gera a violência. A cidade não é para os carros, mas sim para as pessoas. É preciso criar situações, desenhar e pensar a cidade para que as pessoas voltem a vivenciar o espaço público. Encontrar um equilíbrio entre os percursos viário e pedonal, criar praças que tenham alguma actividade, anfiteatros ao ar livre, miradouros com equipamentos de lazer, quiosques, ciclo vias, ...” (Mas que sejam seguras e de maior largura, protegidas com um separador/passeio com pelo menos 1 metro de largura e alguma protecção metálica.)...” espaços com maior segurança para actividades desportivas e para as crianças. O nosso país tem um clima apropriado para esse tipo de actividades. Temos um litoral com grande potêncial para as situações de espaço público referidas acima porém vejo uma marginal incompleta, que rompe por completo a antiga relação do Plateau com a Praia Negra, sem estacioamentos, com um passeio estreito e pouco seguro para os seus utentes que diariamente a utilizam para a prática de desporto....”

(Infelizmente já tivemos uma vítima. Poderia ter sido qualquer um que use aquela marginal. ) ...” vejo a marginal como uma estrada onde não acontece nada, sem vida citadina.

Temos uma Praia Negra, antigamente bela, mas que hoje se encontra completamente destruída e descaracterizada. É um espaço que poderia ser requalificado e ter uma espécie de praça aberta ao mar, com algum edificado muito subtil, alguma edificação escalonada e discreta na encosta por baixo do hospital, com restaurantes e quiosques no espaço da Praia Negra, placas desportivas, estacionamento e até mesmo algum tipo de relação visual com o ilhéu de Santa Maria e também com o farol. Mas para isso é necessário levantar a hipótese de afastar a fábrica da Ceris da nossa cidade e até mesmo o Porto. Porque não transformar o Porto existente numa espécie de miradouro, um espaço de lazer e cultural para os Praienses (alguém já reparou na vista do actual Porto sobre a Cidade da Praia?) e pensar num novo Porto um pouco mais afastado da Praia? Poderíamos pensar numa proposta de requalifiquação desde o actual Porto até a zona do farol da Prainha, englobando a Praia da Gamboa, o ilhéu de Santa Maria, a Prainha, os hotéis existentes, etc. ... Do extremo da Achada Grande Frente temos um miradouro natural magnífico, um prato cheio para qualquer turista. Muitas ideias poderão surgir para esta zona, mas é claro que temos que pensar no tratamento das águas negras pois nenhum cidadão ou turista quer estar num sítio com tanta poluição.

A cidade da Praia tem sofrido um processo de descentralização, embora tenha sido somente a nível da habitação e consequentemente apareceram vários dormitórios responsáveis pelos congestionamentos de trânsito. A descentralização tem que ser feita também relativamente aos serviços e indústrias. O Aeroporto da Praia foi alvo deste processo.

A cidade da Praia perdeu já a identidade e esta de tal forma descaracterizada que pode-se dizer “djâ ka dâ. Chega de tapar buracos. Está mais do que na hora de pensarmos em projectar novas cidades, por exemplo nas extensas planícies próximas à vila de Pedra Badejo. Devido a essas situações, a Ordem dos Arquitectos Caboverdianos vem insistindo para que os Arquitectos intervenham juntamente com as autarquias nas questões relacionadas com o ordenamento do Território. Deveria haver inquéritos direccionados à população e Concursos Públicos de Ideias para Propostas Urbanas abertos aos arquitectos.

Em segundo lugar, como cidadão, penso que um Porto com tais dimensões terá um impacto ambiental bastante negativo para a baía da cidade. Teremos uma baía quase encerrada, com um grau elevado de poluição causada pelas descargas de esgotos, dejectos da fábrica Ceris, despejo de substâncias tóxicas proveniente da lavagem de navios e todo o tipo de substâncias não biodegradáveis. Na verdade teremos os mesmos factores de poluição que fizeram o estrago feito até agora, mas com uma escala muito maior. Como será então o futuro da baía daqui a cinquenta anos? Vamos ter um Aeroporto Internacional. Se pretendemos fomentar o turismo na ilha de Santiago, como fazê-lo numa baía sem quaiquer condições para tal. Porque não só será uma barreira para futuras infraestruturas turísticas, mas também afectará os hotéis existentes nas redondezas, e até mesmo a praia da Prainha e consequentemente a saúde dos banhistas.

Todos nós sabemos como fica o nosso litoral na altura das chuvas, se fecharem a baía com um Porto imaginem o cheiro e o tempo que a água demorará a ficar limpa novamente. Como é possível pensarmos em soluções tão contraditórias como um Porto e um casino no ilhéu de Santa Maria e também hotéis na Gambôa, aquela que poderia ser a melhor praia da cidade. A implementação do Plano de Acção Nacional para o Ambiente (PANA II) tem projectos de grande interesse para todo o País e nesse sentido tal projecto de ampliação seria contraditório aos seus objectivos no âmbito do ambiente.

Em terceiro lugar, como alguém que frequenta a Praia Negra, em 1991 eu e um grupo de amigos descemos pela primeira vez àquela praia para praticar surf e bodyboard. Desportos que até aquela altura só eram praticados em Cabo Verde por estrangeiros. Foi nessa praia que nasceu a primeira geração de surfistas nacionais. Começamos a explorar outras ondas da nossa ilha e também nas outras ilhas, mas sempre tivemos um carinho especial pela Onda da Praia Negra. Antigamente na Praia Negra entravam ondulações durante todo o ano e era possível praticar surf nessa mesma praia todo o ano.

Mas juntos assistimos gradualmente à destruição do que antes era considerado um paraíso, desde roubo de areia à extinção da vegetação. Com tantas obras nas águas da baía, a Onda da Praia Negra hoje em dia só funciona na época de verão e já não é a mesma pois os fundos mudaram com tantas alterações feitas pelo homem. No verão também surfamos no Palmarejo, todavia, hoje em dia, para entrarmos dentro de água temos de tapar o nariz porque ninguém aguenta o cheiro do esgoto. Também na zona onde irá nascer o Sambala Village existe uma baía, na região costeira de Moia Moia, onde fazemos surf e lá a água tem um tom azul claro parecendo que estamos no paraíso.

É um projecto que promete respeitar o meio ambiente e fico mais aliviado. No resto do ano (“inverno”) o surf só é possível no Tarrafal e também em quase toda a Costa Este da nossa Ilha. Como os surfistas fazem parte da última tribo nómada do Planeta, vamos atrás das ondas em outros sítios, mas sempre pensando na nossa onda preferida e comentando sempre o mesmo: “mo... era sabi si Cocas sta ta daba uns onda” (Cocas Beach é o nome que pusemos à Praia Negra já que a água é tão castanha). E quando as ondas da Cocas Beach estão boas não queremos sair da Praia. Para além de que nem todos têm carro para ir praticar surf noutro lado. Mas se ampliarem o Porto e construírem um quebra-mar no enfiamento do farol a nossa onda preferida nunca mais funcionará. O desporto é muito importante para a saúde de pessoas de todas as faixas etárias e sem Cocas Beach o surf na Praia nunca será o mesmo. Embora sejam dois desportos bem diferentes, imaginem o que seriam dos basquetebolistas da Praia se demolissem o Gimno Desportivo.

O surf é extremamente importante para o desenvolvimento económico de uma cidade visto promover o turismo. Em países como Austrália, França, Hawaii, ... temos as Surf Cities que promovem o surf. Os surfistas são turistas que viajam várias vezes para o mesmo lugar quando gostam das ondas que lá encontram. Muitos turistas passam por Cabo Verde exclusivamente com a intenção de fazer surf, visto que a perfeição das nossas ondas já é conhecida lá fora, e quando apanham aqueles dias em que as ondas da Praia Negra sobem à marginal também se apaixonam por aquela onda. Mas no entanto muitos ficam na ilha do Sal. Numa altura em que vamos ter o Aeroporto Internacional da Praia a onda da Praia Negra, uma das melhores ondas do País, seria mais uma atracção turistica da Cidade. Na mesma baía temos excelentes condições para a prática de wind surf e a reactivação do clube náutico seria apelativo em termos de turismo, mas para isso não podemos ter estas águas tão poluidas como se encontram hoje em dia.

Sinceramente, penso que valeria a pena pensar num outro tipo de solução para o Porto. Sugeria uma ampliação no sentido contrário que partiria da extremidade do último cais prolongando-se para Leste, fazendo mais ou menos 90 graus com o cais existente, mas virado para o mar. Assim teríamos um Porto com as costas viradas para a baía. Desta forma, não haveria necessidade de nenhum quebra-mar pois o cais ficaria de costas para o lado de onde vêm as ondulação de Sul e frente para o lado com o mar mais calmo.Teríamos um Porto aberto para o mar, (o que seria muito bom para o meio ambiente) mas protegido das ondulações. Relativamente às ondulações do Norte, a própria configuração da costa protegeria o novo Porto.

Olhando para um mapa ou observando a costa a partir do farol da Prainha, vê-se perfeitamente que há, por trás do Porto existente, muito espaço para um Porto mais moderno. Poderíamos ter até várias plataformas paralelas pois problemas de espaço não existem e haveria maiores possibilidades para uma futura expansão em direcção ao mar. E ao mesmo tempo o lado virado para a cidade, bem como o cais de pesca, deveriam ser um espaço recreativo. Existe uma linha de água por trás do porto actual mas as linhas de água podem ser canalizadas.

Deixo um apelo às autoridades dizendo que a ampliação do Porto da Praia é uma questão que deveria ser bem discutida pois é muito delicada para todos os Praienses. Se construírem o quebra-mar no farol a ondulação não entrará mais nas praias da baía de forma renovar a água contaminada. Os mais velhos têm na sua memória a imagem das águas límpidas desta baía e a riqueza da fauna e da flora.

Deveria ser estudada uma solução que não fosse o impedimento da entrada da ondulação. Já que se fala numa via rápida Praia - Tarrafal pelo litoral da costa nascente, também faz sentido pensar num porto ao longo dessa infra-estrutura. Nesta via é que poderiam surgir as novas cidades.

A natureza é a grande riqueza do nosso país e é dever de todos os cabo-verdianos preservá-la e garantir um desenvolvimento sustentável (desenvolvimento que garante o bem-estar da nossa geração e das gerações futuras) do nosso país e uma melhoria da qualidade de vida urbana para todos. “

Caros cidadãos e governantes deste país. A protecção ambiental é uma função que cabe a cada um de nós já que quem sofrerá as consequências serão - para além dos outros seres vivos do nosso planeta - os nossos filhos, netos, bisnetos,... Não podemos ficar satisfeitos com as nossas primeiras ideias e nem com as de terceiros. É fundamental uma autocrítica e muita persistência para podermos chegar à perfeição. Existe sempre uma solução ideal para um projecto, que satisfaça todas as partes envolvidas. Neste caso especifico, vai desde os interesses económicos, passando pelo bem-estar da população, até o meio ambiente em que se insere.

De forma generalizada pode-se afirmar que, relativamente a tudo aquilo que o Homem vai fazendo erroneamente no meio em que vive (vejam por exemplo a problemática do aquecimento global), “ água mole em pedra dura tanto bate até que fura”.

Amílcar Romariz de Melo (Micau)

micaumelo@hotmail.com

1 comentário:

João Vieira disse...

Micau
Queria congratular-me pelo artigo que acabo de ler. Vejo que começa a aparecer gente que se preocupa com a sua cidade. E, apesar de opinião diversa sobre algumas abordagens no artigo, não posso deixar de te insentivar a falar sobre esta cidade "desamada". Tenho um blog (WWW.divercidadescv.blogspot.com) cuja preocupação é semelhante, ou seja, abordar a cidade, pois entendo-a como a maior criação da humanidade. E a sua complexidade me apaixona porque resulta sobretudo da diversidade de actores, de ideias, de razões, de sensibilidades ... ela é um espaço democrático "per si", ela encerra essa riqueza e isso é o que me faz gostar dela, e da Praia em paraticular. Pensa-la e reflectir sobre ela é defende-la~, é valoriza-la, pois parafrazeando Princesito "Praia Sta Prenha..." E esta brotando ideias e sensações. Apesar de maltratada a Praia é um sucesso de acntecimentos e tem o potencial de quem efectivamente esta prenha...
João Vieira